Terror e suspense em narrativas de tirar o fôlego Vampiros, anjos, criaturas malignas e demônios habitam os 12 contos de ‘Sombras no Abismo’, livro brasileiro que prova o vigor do gênero tão adorado pelos jovens leitores

Na Londres sombria de 1888, uma criatura metade loba e metade humana caça suas vítimas, enquanto é caçada por um estranho arcanjo. A notícia de um demônio de olhos vermelhos, que cruza o mundo cercado por corvos e nuvens negras, leva apreensão a um antigo mosteiro beneditino do norte da Itália, no século 12. Vampiros assombram as florestas do Alentejo, em plena guerra entre cristãos e mouros. Nos dias de hoje, um garoto enfrenta um pesadelo doméstico: os legumes em formato de carinha, que sua mãe insiste em fazê-lo comer, são na verdade criaturas malignas que o encaram no prato.

Vampiros, arcanjos, elmos, bruxas, monstros, pactos malignos e alucinações. Os 12 contos reunidos em Sombras no Abismo dão vida às mais variadas criaturas e formas do medo. Seus autores recorrem a uma enorme erudição e a referências clássicas — que vão desde a mitologia grega até a atmosfera terrível da Inquisição — para narrar histórias repletas de sobressaltos, reviravoltas, tensão e surpresas. Narrativas que, para além de divertir e assustar, traçam um passeio vigoroso pelo imaginário ocidental a respeito do medo, do terror e da violência. Com isso, trazem novidade e conteúdo às histórias de suspense e de fantasia que tanto despertam a atenção dos jovens leitores.

Pois nem só terror, susto e aventura agitam as páginas deste Sombras no Abismo. Delas saltam histórias de resistência, coragem, perseverança, vocação, força. Humanos ou inumanos, seus personagens representam a ousadia de confrontar valores e racionalidades dominantes. Encaram a barbárie, permitindo que se expresse a potência de suas existências singulares. Reivindicam, com suas histórias, a graça de um mundo plural e encantado, no qual a morte faz parte da vida. É o caso da adolescente-zumbi de “Para sempre em um dia”, que enfrenta a extinção de todos os que ama, mas não perde a fé em sua própria força. Ou de Adda, de “O guardião”, a mais jovem de uma linhagem de mulheres videntes perseguidas pela caça às bruxas. E ainda de “Kituruhu”, conto que mostra como os ecos de uma terrível maldição podem sobreviver no fundo de uma biblioteca.

Com tudo isso, Helena Gomes e Osvaldo Secatto constroem uma obra admirável e hipnótica, que mostra como mesmo o suspense e o terror podem se reinventar e se revigorar — tal quais algumas das criaturas encantadas que ressurgem no escuro.