Os contos de David Means situam-se na fronteira entre a narrativa seca e a hipótese angustiada, entre a repetição do cotidiano e os pequenos gestos que põem tudo a perder. No relato que dá título a este volume, o narrador observa que as casas são construídas de fora para dentro, ao passo que os incêndios as consomem de dentro para fora, insidiosamente, até romper numa tocha magnífica. Da mesma maneira procedem os narradores de Sinistros com fogo, valendo-se de qualquer pretexto que se ofereça - uma visão, um ato distraído ou intempestivo - a fim de expor o avesso da vida de seus protagonistas. Para isso, não é preciso estilo incendiário ou gosto pela miséria alheia. Means é capaz de abordar temas e personagens que beiram as manchetes de jornal - a lista inclui desmoronamentos, ex-combatentes do Vietnã, piromaníacos, atropelamentos de carro ou de trem - de um modo que os torna mais complexos e humanos. E o faz à revelia, por assim dizer, das supostas banalidades que parecem rondar estes Sinistros com fogo. Exercendo esse dom difícil, Means acompanha os personagens em seus momentos mais dilacerantes, e na mesma medida se afirma como renovador do conto contemporâneo.