Como pode uma ausência se constituir como a mais justa definição de uma obra? Talvez porque esta condição não seja efetivamente de uma ausência, mas, antes, de uma exigência e, portanto, se instaure na sombra do conhecimento, como uma demanda que nunca adquirirá o acabamento esperado de um conceito. Esta é a relação entre o pensamento sartriano e a ética: um enlace entre uma requisição infinita e um empenho desmedido. A força desta brecha original produz na filosofia de Sartre um solo fecundo de abordagens em torno da moral, sem, contudo, gerar um apaziguador corpus doutrinário. Inevitável que esses tremores alcançassem seus intérpretes e aqueles que o sucederam no desafio de pensar a realização humana.

Para tanto, o trabalho sobre ética em Sartre não se restringe à eleição de uma obra para a função seminal do tema. Como não poderia deixar de ser, dos Cahiers pour une morale, passando pela Crítica da razão dialética até o volumoso O idiota da família, de uma palestra escrita e não proferida a um escrito que permaneceu sob a forma de um manuscrito, cada trabalho apresenta-se como uma oportunidade de ingresso na reflexão sobre a ética. Neste sentido, há uma disseminação e uma contaminação concomitantes no existencialismo. Cada entrada produz um campo de pressupostos que corporifica, ao seu modo, a moral em torno da condição humana. Sem que, com isso, possa se tomar as outras obras como marginais ou acessórias ao tema. Enfim, os textos presentes neste volume expressam esta trama tecida em consonância com seu objeto e impregnada por seu tempo."