No interior de cada um de nós, existe um lugar secreto que os outros não conhecem. Um lugar que, muitas vezes, nos dá medo. Como uma caverna ou armário interno, sem portas nem janelas, onde às vezes até para nós mesmos parece impossível penetrar. Não raro, sentimos que perdemos as chaves. E é justamente nesse espaço, mergulhado em penumbra e em pungência, que reside o segredo de nossa sólidão – assim mesmo, com sua grafia distinta de solidão.

Vivemos, afinal, numa sociedade em que os indivíduos se sentem cada vez mais sós. Um mundo marcado pela sólidão (seulitude, em francês), ou seja, pelo mergulho nesse lugar cinzento onde nos sentimos à deriva. Vulneráveis, perdidos, incapazes de tomar decisões. Distantes da solidão preenchida, que é o fundamento da identidade, e que rege o ato criativo, o desejo, a fonte viva.

Como, porém, nos libertar da sólidão e traçar uma jornada corajosa rumo à solidão preenchida? Como enfrentar o vazio e o medo, encarar o lugar secreto de nosso interior e encetar uma busca verdadeira pela plenitude da vida? Margalida Reus lança mão de sua experiência de 30 anos vivendo numa comunidade não violenta, que busca a fraternidade e o acolhimento, para iluminar pontos cruciais no enfrentamento de nossas inseguranças e traumas mais antigos.

Neste livro, ela defende que a ideia de consolação precisa ser retomado em seu sentido original. O termo, tão associado hoje a uma ideia pejorativa, representaria na verdade um “estar com” na solidão. Estar junto a alguém que está só. E, em muitos casos, esse alguém que está só é ninguém menos que aquela criança que fomos no passado. Meninos e meninas muito pequenos, que experimentaram grandes sofrimentos – e que, por isso, ainda vivem solitários, em silêncio, nesse lugar secreto do qual tanto fugimos.

Penetrar nossos recantos mais sombrios, reencontrando e acolhendo a criança que fomos, pode ser uma das vias para traçar uma vida mais plena e solidária. Com uma linguagem límpida e objetiva, sem rodeios, Margalida Reus elabora uma reflexão cativante sobre o peso da angústia interior em nossos tempos, mostrando como o sofrimento vai deixando suas marcas sobre o corpo, mesmo desde antes do nascimento. Usando o relato de casos verídicos – a história de pessoas que acompanhou em sua trajetória de acolhimento –, ilustra como as pequenas violências do dia a dia erigem o campo de sombras que trama o desencanto e a insegurança, forjando pessoas infelizes.

Com isso, a autora tece também um chamado: torna-se cada vez mais urgente buscar o exercício da consolação, já que a maioria de homens e de mulheres de nosso século experimenta um sentimento agudo de sólidão. Repletos de desconfiança e de desamor, oprimidos pela máquina cotidiana da competição, sentem-se profundamente sozinhos, esvaziados de sentido. Apenas o caminho da consolação, a escuta atenta às nossas crianças ocultas e amedrontadas, pode nos ajudar a restituir a força de vida.