Neste livro que o leitor tem em mãos, reúnem-se os 17 contos- isto é, as narrativas estritamente ficcionais- contidos em Páginas recolhidas (1899) e Relíquias de casa velha (1906), ambos miscelânias em que Machado de Assis publicou textos de natureza diversa. Como nos demais livros de contos de Machado, aqui também não há unidade temática entre as histórias, o que já é indicado nos seus títulos, que sugerem atemporalidade, variedade, e apontam para o caráter avulso das peças.

Contudo, há certos traços machadianos que subjazem a quase tudo o que escreveu, ainda que, muitas vezes, possam esses traços assumir feições bem diferentes. Um deles, presente neste volume de maneira significativa, é a ironia, entendida como a consciência de uma discrepância entre as palavras e seu sentido, entre as ações e seus resultados, entre a aparência e a realidade.

A ironia se deixa entrever no tom, na maneira distanciada de olhar para as coisas, de reagir diante delas e de expressá-las. Nesse sentido, são grandes ironistas Voltaire, Swift, Thomas Mann- e Machado de Assis. Em suas narrativas, ela é uma espécie de instrumento da verdade: purifica, refina, zomba, denuncia, despreza, ridiculariza.

Marta de Senna