Quando o editor de More Pricks Than Kicks, livro de contos de juventude de Beckett, pediu que ele escrevesse mais um conto para engordar a edição, provavelmente não imaginava que o autor, obcecado com as personagens do livro, reunisse breves “restos” de todos os contos para ressuscitar a personagem central, Belacqua – apesar de ele ter morrido no que Beckett considerava o último conto do livro. Ao ler o conto “extra”, entretanto, se recusa a publicá-lo, um tanto horrorizado: “é um pesadelo”.

Foi assim que este Ossos de eco atravessou tantos anos inédito. E o que a princípio apavorou o editor, ganhou não só a distância temporal, como a consolidação de uma personalidade literária única – e, finalmente, podemos ler nestas páginas a angústia, o horror, e o sem sentido do mundo. Um legítimo Beckett.

Em Ossos de eco Samuel Backett nos conta a história de Belacqua, que após sua morte se torna um fantasma e é devolvido temporariamente por obra de miseráveis fados às porcas e barafundas e pardais fusos da baixa estatura da animação, para sua própria surpresa. Sentado em uma cerca fumando charutos, Belacqua passa seu tempo, que entretanto não sabe bem se passa, e encontra outros personagens, também hospedados no pó do mundo. Assim surgem, nesta cena etérea, situada em um limbo provisório, a prostituta Zaborovna Privet, o gigante Lorde Gall D'Artemísia e por último Mick Doyle, um violador de sepulturas.

Samuel Beckett era um autor iniciante, com menos de trinta anos e estava desempregado quando, diante da recusa de vários editores a seu primeiro romance, começou a reunir contos para publicação. Ossos e eco foi escrito por encomenda editorial para avolumar a reunião que resultou desse esforço, mas o texto seria recusado, pois pareceu, ao editor, um pesadelo. Trata-se de uma narrativa descontínua, cheia de referências e alusões obscuras (eruditas, populares, biográficas, etc), grande variação estilística, ambientação fantástica e ousadia formal, isto é, uma narrativa que exige de seus leitores uma atenção total, que será compensada, porque nem tudo escapa ao tenaz leitor que tentar capturá-la.