O mutante urbano resgata a história que não foi escrita, pontuando eventos que vão do final dos anos sessenta até o início dos anos noventa. Um migrante rural, neto de latifundiários e filho de pais de classe média decadente, narra as suas aventuras e embates no Rio de Janeiro, com rápidas passagens pela sua província de origem. Na megalópole, luta em vários fronts. Primeiro, na frente da sobrevivência e consigo mesmo, no combate contra o álcool. Depois, no campo das lutas políticas de que participa ativamente como militante de base. Filiado ao Partido Comumsta, prepara-se para a guerrilha do Araguaia da qual não chega a participar. Neste relato autobiográfico, os fatos reais são tão intensos que adquirem a dimensão romanesca. E a relação entre o indivíduo e o grupo é tão estreita que o psicológico, o sociológico e o político tornam-se indissociáveis.

Esta autobiografia interessa também pela autenticidade humana da auto-análise do seu protagonista. No corpo do texto, o narrador empreende um desnudamento de si mesmo e dos que giram à sua volta: estudantes, lumpens, vagabundos, pequenos traficantes, líderes políticos, hippies, e figuras do desbunde dos anos 70. Sua escrita incide sobre o sórdido, o sujo, e o anormal no submundo híbrido dos desgarrados. Porém não deixa de surpreender os resíduos éticos e os gestos de solidariedade. Em sua luta contra o vício, expõe com firmeza a descida ao fundo do poço, o seu trânsito pelos infernos da batalha da cura e retorno à dignidade da vida independente. Nos episódios políticos, na dimensão sociológica, o interesse recai sobre a vida, os atos e a intimidade do pequeno militante no cenário da luta cotidiana, sem a grande moldura heróica da História, e seu foco sobre o mundo dos desgarrados e dos que nada são.