Shakespeare absorve e revela, com sua genialidade, o embate entre estruturas simbólicas e desejo de expressão. Essa é uma angústia que se manifesta também em nosso tempo. Talvez por isso ele continue tão atual. Talvez também as pessoas estejam lutando por dizer os novos valores da era da informação utilizando o arcabouço simbólico que herdaram da era industrial. A sensação de insuficiência desse arcabouço, que Hobsbawn denuncia em Era dos extremos o breve século XX (Companhia das Letras, 1996), se manifesta desde as pequenas práticas cotidianas de que é bom exemplo o teatral de muitas cerimônias de casamento até as formas mais amplas de organização do corpo político conforme ilustram os debates sobre o papel do Estado.

Neste livro, o autor busca perseguir essa hipótese central, porque acredita que discuti-la ajuda a sociedade a entender melhor algo daquilo a que já se chamou de angústia da condição pós-moderna. Em infância, o poeta Carlos Drummond de Andrade apresenta o quadro de um menino sentado sob uma árvore, que lê maravilhado a história de Robinson Crusoé. O poema se encerra assim: E eu não sabia que minha história era mais bonita que a de Robinson Crusoé. Shakespeare é um gênio maiúsculo, um escritor espetacular o bastante para que muitos o apontem como o maior nome de toda a literatura, em qualquer tempo e olhe que, para merecer esse título, é preciso deixar para trás Homero, Dante e Cervantes. Mas, por mais fabulosas e fantásticas que sejam suas histórias e personagens, elas seguem vivas apenas porque é possível tecer, a partir delas, os fios que compõem a vida cotidiana, que é a história de cada um, ainda mais bonita. Uma das razões para o sucesso da obra de Shakespeare vem do fato de que ela coloca em cena tensões muito semelhantes àquelas que hoje a sociedade experimenta.