'O Coletor de Sombras' é um testemunho instigante, um relato tenso e simultaneamente elaborado, em clima de realismo mágico tropical, que José Padim faz no instante seguinte ao ver-se perdido no interior de uma caverna, desamparado, sozinho e sem luz. Um homem nessas condições, segundo o próprio personagem, tem apenas nas lembranças sua única ligação com o mundo exterior. Mas o tempo passa, a esperança de sobreviver se debilita e ele começa a ficar cansado e confuso.

Nesse momento, fixado no que pensa ser seu passado, Padim percebe que sua memória pode estar lhe pregando peças. Para não sucumbir de vez no abismo esmagador da insanidade, ele se agarra desesperadamente às imagens que evoca de sua vida, verdadeiras ou falsas, como se elas pudessem indicar o caminho da saída, ou, pelo menos, garantir sua sobrevivência. A narrativa, por sua vez, tem o tempero de uma vida bem pouco trivial. Ele nasceu numa vila afastada da Amazônia e conviveu com índios, conheceu descendentes de quilombos, missionários, colonizadores de todo o tipo e até guerrilheiros que protagonizam, em sua cabeça, uma saga de quatro gerações em contato com os mistérios da floresta e com a efervescência de uma civilização apenas nascente.

Os fatos, evocados da consciência de um homem confinado no escuro, não são relatados numa ordem linear, como é de se esperar de alguém submetido a essa experiência. Ao contrário, os depoimentos saltam de uma época para outra e evidenciam estranhas coincidências, ocorridas em tempos diversos, que sugerem uma outra explicação, quem sabe uma causa oculta, para ele acabar preso nessa insólita situação. Poderia ser apenas ilusão de uma memória fraca e doente? Loucura ou revelação, Padim não teve escolha, viveu seu desafio solitário, rememorando décadas de histórias, povoadas de estranhos personagens, protagonizando um drama com muita ação e ao mesmo tempo bastante reflexivo, à espera de um desfecho, qualquer que fosse.