… o que importa para cada um é esse momento de encontro com a literatura de Clarice Lispector, porque é definitivo. Em Lispectator: celebrar Clarice Lispector, estamos diante dos registros dessa sucessão de efeitos proporcionados pela aventura de correr os riscos do doce estranhamento que os textos dela proporcionam. Ou seja, uma celebração de sua arte literária!

Na última entrevista para a Tv Cultura em 01.02.1977, ano de sua morte, Clarice conta que uma estudante universitária de 17 anos a procurou para dizer que A Paixão segundo G.H. era seu livro de cabeceira e que, na mesma ocasião, um professor de português e literatura do Colégio Pedro II comentou ter lido o mesmo livro quatro vezes, sem entendê-lo. Diante disso, Clarice supõe que “entender” seus livros não é questão de inteligência, mas sim de “sentir”, de “entrar em contato”, e daí ela resume: “Ou toca ou não toca”.

Não há como não ser marcado por sua letra, seus significantes, sua respiração presente na pontuação singular, seu enredo envolvente numa estrutura sintagmática inesperada. Há que se estar disponível para os solavancos. O real pode ser “transvisto” pela janela poderosa da fantasia do tecido narrativo de Clarice. A escrita clariceana sequestra o leitor para um estado de permanente atenção e suspensão, arrastando-o para o interior de um cotidiano, se concentrando no mais (in)significante, na intensidade dos gestos e das palavras – e da falta delas, traços estruturantes de sua obra. A consistência paradoxal entre o minúsculo e o espantoso, o lugar-comum e o epifânico, numa interrogação ininterrupta sobre o estado das coisas do mundo, o estranhamente familiar, num constante (in)cômodo, acabam por convocar seu leitor para uma nova ordem lógica descentrada do saber instituído, isto é, o não-saber.

[Márcia Xavier]