Brasil, século XXI: reagir ao legado autoritário do país constitui quase uma exigência moral para todos nós. O carácter regressivo dos mecanismos ideológicos que têm nos tornado imunes ao horror é o mesmo que quer nos transformar numa sociedade de consumo adormecida em que a manipulação e o medo são ferramentas de controle político. Porém, como dizia o filósofo Günther Anders, “não podemos não poder”.

Neste caso, não poder manter a vida neste país, em que pese a irracionalidade das políticas dominantes, herança de autoritarismos pretéritos, colonialistas, racistas e excludentes. Os ensaios de Heranças da ditadura na literatura brasileira contemporânea, firmados por pesquisadoras e pesquisadores das universidades públicas brasileiras, subscrevem com maestria a frase de Anders.

Os textos e filmes estudados trazem a renovada potência do pensamento crítico brasileiro contemporâneo e sua capacidade de intervir sobre as raízes profundas das memórias da ditadura civil-militar recente do país. Os povos indígenas, as questões de gênero, os testemunhos dos familiares dos sobreviventes, as histórias da repressão militar, as corporeidades femininas e masculinas violadas, os arquivos reparadores são alguns dos elementos que interpelam o repertório simbólico e histórico da produção contemporânea brasileira literária e cinematográfica analisada e que levam o leitor para a futuridade dos caminhos combativos e criativos de luta por verdade e justiça no Brasil.