Os contos de Exercícios espirituais para insônia e incerteza constituem um excelente ingresso no universo de Lourenço Cazarré por sintetizarem seus procedimentos fabulatórios e suas inquietações mais constantes. Neles, sobressaem-se os narradores em primeira pessoa, opção favorita do escritor, já que favorece o uso da linguagem prosaica, o esquadrinhamento da esfera subjetiva e a emergência da confissão pessoal, embora a realidade empírica e seus referenciais nunca se dissolvam em pura interioridade. Ao contrário, o real preserva seus incontornáveis tentáculos, advindo, desse choque entre a introspecção e o peso do entorno, uma espessa tensão dramática que raramente afrouxa no transcurso dos relatos.
A coisa mais tremenda que eu já vi, por exemplo, com seus protagonistas juvenis, seu contexto mais sugerido do que descrito (e nem por isso menos impositivo), seu esplêndido entrelaçamento de quatro destinos individuais, seus incessantes efeitos de surpresa, sua brutalidade e sua imposição ética, acabam compondo um texto de larga ressonância. Faz parte daquele conjunto de pequenas obras-primas que irrompem em outros livros do autor e que lhe bastariam para garantir o ingresso na história do conto brasileiro, como Urano, O cavaleiro, Meia encarnada dura de sangue, Ilhados etc.