O pequeno regato é transparente porque não tem águas profundas. O pensamento, de Voltaire, serviu para disfarçar a sua vaidade, quando comentou a própria obra iluminista. No caso da escritora, jornalista e professora Manoela Ferrari a história se conta de forma diferente. Ela mergulhou com decisão nas águas profundas de sua existência – e o resultado é uma obra de grande densidade.

“A mulher bela e sensual é condenada ao ostracismo intelectual”.

O título “Entrelinhas” sugere ao leitor a dedução mental de fatos implícitos da vida da autora. Ela ancorou a memória em ocorrências marcantes do passado, que se alternam nas incidências do cotidiano, numa instigante interseção entre o real e o fictício. O relato das perdas comprova a sua extraordinária força de mulher guerreira, que não se deixou abater, numa fascinante construção narrativa, em que florescem primores de prosa e verso – todos eles perfumados, como se pertencessem a um mágico castelo de fadas.

“Exercer o livre arbítrio de pinçar exemplos na vida é ao mesmo tempo uma luz e uma espada. Tanto pesa quanto abre caminhos”.

Um ser de luz sem vocação para a tristeza, Manoela Ferrari caminha numa longa viagem, superando os embates que se antepõem, fiel ao destino que lhe reserva a surpresa da felicidade tão buscada e aparentemente fugidia. Aí pode ser sentida a diferença entre o implícito e o explícito. Generosa, a escritora possui a rara capacidade de compartilhar os espaços de significação de sua escrita com os leitores, a quem delega o desafio de preencher as entrelinhas. O seu livro tem indiscutível qualidade literária.

Arnaldo Niskier da Academia Brasileira de Letras