Com a organização e publicação destes Diários de Lúcio Cardoso, Ésio Macedo Ribeiro realiza um trabalho de importância talvez ainda maior do que o feito recentemente por ele com a edição crítica da Poesia completa do escritor. Se isso se dá, é porque sua tarefa não consistiu meramente em reunir o conteúdo do primeiro volume do Diário, publicado em 1960, com o do Diário completo, lançado postumamente pela editora José Olympio em 1970, acrescentando anotações inéditas que permaneciam desconhecidas entre os originais do autor mineiro no Arquivo da Fundação Casa de Rui Barbosa. Indo mais longe, coube a Ésio procurar reinserir em sua ordem cronológica trechos e mais trechos do Diário que, inexplicavelmente, haviam sido apresentados com as datas alteradas no livro publicado pela José Olympio. Essa tarefa, de feição detetivesca, ofereceu obstáculos e dificuldades, obrigando o pesquisador a lidar com originais razoavelmente bem conservados, mas também com folhas avulsas, dispersas, que restaram dos manuscritos do Diário do ficcionista.

Encarando o desafio, Ésio restitui a seus devidos lugares os fragmentos deslocados do Diário, permitindo ao leitor acompanhar o curso das reflexões e dos pensamentos do escritor no seu devido momento. Colaborando para pôr fim a equívocos sobre a obra de Lúcio Cardoso, as correções efetuadas revelam, ainda, dados interessantes sobre a gênese de seus livros. Assim ocorre, por exemplo, quando, ao recolocar no ano de 1951 uma série de anotações erroneamente atribuídas a 1952 e a 1954 no Diário completo, se prova que o romancista não se dedicou de forma alternada à redação da Crônica da casa assassinada e do inacabado O viajante. Tendo abandonado a escrita desse romance provavelmente em dezembro de 1951, Lúcio se lançou à elaboração da Crônica da casa assassinada meses mais tarde e de sua formulação não desistiu enquanto não a viu encerrada.

Cabe sublinhar que a decisão de Ésio de incluir no livro outros textos de caráter confessional, bem como a de resgatar das páginas do extinto periódico A noite as colunas ali assinadas pelo autor com o título de “Diário não íntimo”, mostraram-se acertadas, tornando o volume ainda mais completo. O texto de apresentação no início, a cronologia da vida e obra de Lúcio Cardoso e as muitas notas preparadas para subsidiar a leitura valorizam sobremaneira o trabalho executado. Por todos esses motivos, impõem-se estes Diários, desde já, como um marco no estudo da trajetória e da produção do romancista mineiro, abrindo para os leitores e pesquisadores de sua obra novas e instigantes perspectivas.

Cássia dos Santos