Por trás da aparente simplicidade desses versos, é possível perceber a matéria poética extremamente depurada de uma escritora que leva seu ofício a sério. Ana Estaregui extrai poesia dos objetos cotidianos, dos animais domésticos ou selvagens, das relações amorosas e das palavras: tudo que nelas pode nos levar além, como descrição ou metáfora. Para os leitores interessados na poesia brasileira do século xxi, trata-se de leitura obrigatória.

Segundo Noemi Jaffe, “Coração de boi contempla as coisas de uma casa e faz com que elas falem, como que animadas pelo olhar demorado de quem as conhece pelo lado de dentro e por suas costuras secretas. Amar, para essas pessoas, é observar ‘o tom lilás das olheiras’, ‘a temperatura da ponta dos dedos quando encostam nas orelhas durante a noite’ e o amor, que para tantos foi morte ou entrega, para Ana Estaregui é estar numa casa, como para Manuel Bandeira, com “a casa limpa, a mesa posta”, mas sem esquecer, como para Drummond, o canto do ar e os segredos do feno do boi que vê os homens. O tempo desse livro é o da espera de que das palavras se extraia ‘um movimento sutil, alguma oscilação inaudível, uma dobra só que fosse, sobre a página um pequeno rumor’. E, pela leitura atenta e demorada, vão surgindo búfalos, carneiros, baleias que não se veem, gatos, dobradiças, maçanetas, o dia sendo cortado a seco e ao meio. Sem abandonar o belo, Coração de boi olha o feio e a ele pergunta: pode me acompanhar? Como asma e transparência, os poemas aqui se entregam ao corte”.