'Conheci-o há mais de 50 anos, quando fui a Manaus fazer uma reportagem para a revista Manchete e o encontrei na chefia da Casa Civil do governador Gilberto Mestrinho. Ele já dava os primeiros e corajosos passos como jovem e futuro líder - deputado estadual em 1962 e federal em 1966, cassado pelos militares dois anos depois, em 1968. Reelegeu-se para a Câmara e foi relator geral da Constituinte em 1988, presidente da Comissão de Relações Exteriores na Câmara dos Deputados em 1990, senador da República, cidadão da Amazônia, estadista do seu país, um exemplo de correção para a sua atual geração de brasileiros que dele muito se honram e se envaidecem. Com altivez e dignidade, colocado à margem da política brasileira, enfrentou os infelizes anos do AI-5 como sobrevivente àquele decênio de violências e injustiças.

Quando suas sombras desabaram sobre o Brasil, a postura de Bernardo Cabral deixou para as gerações futuras um exemplo de coragem, de destemor e de bravura. Foi proibido de ir a Manaus, ver sua mãe. Sem carteira de identidade, sem contas em bancos oficiais e sem direito de fazer concursos, era um brasileiro à margem da cidadania, com a obrigação de comparecer diariamente à polícia e de a ela voltar, na manhã seguinte, para intermináveis e ridículos interrogatórios.

Com a cassação de seu mandato parlamentar, atravessou dias penosos e difíceis, ao lado de sua admirável mulher, Zuleide, e de seu filho, Júlio, que têm muito orgulho do marido e pai. Desde seus primeiros anos na política do Amazonas e do Brasil, nela imprimiu sua conduta de parlamentar elegante e respeitoso, ao enfrentar os problemas econômicos e políticos, amazonenses e brasileiros, com as soluções da hiléia, da floresta, da rodovia e do lago. À frente de sua época, tem sido um vanguardeiro plural e idealista, corajoso nos seus projetos e sonhos, voltados para o futuro e crentes na inteligência brasileira. - Murilo Melo Filho