Em seu livro de estreia, Gal Freire tensiona os limites do lirismo como criação e como subjetividade e toma a boneca Barbie como paradigma e também enunciação do seu próprio processo de construção como mulher. Embora a famosa personagem da Mattel tenha se tornado recentemente símbolo de reconstrução e até mesmo de feminismo, principalmente graças à incursão cinematográfica de Greta Gerwig, Gal propõe uma ode a todas aquelas bonecas que não são vendidas nas lojas de brinquedos, mas nascem todos os dias nas ruas das pequenas e grandes cidades, sem evidência ou selo de registro. Mesclando o nascimento da Barbie Transexual, a vida noturna e as paisagens da sua cidade natal, a autora nos apresenta uma poética debochada e violenta, que se fundamenta nos encontros entre o fetiche, a exotização e a ternura com esse corpo forjado em plástico e hormônios, bem como no choque que há entre a figura da poeta, da bailarina e das cadelinhas da zona norte que saem à noite com uma navalha entre os dentes. Barbie, Brasil, Tesão é uma peça em dois atos, mas não só. É um livro também um palco, d eonde temos notícias de corpos. É difícil saber se os corpos são de carne ou plástico, mas pouco importa, pois carne e plástico dividem sua substância aqui e se movem pelo palco, pelo livro num movimento de metamorfose. Os corpos mudam: uma menina vira mulher, uma mulher vira Barbie, uma menina é uma Barbie, uma Barbie é uma arma. Os movimentos da mudança vêm com certo assombro mas não há terror, o corpo abraça suas mudanças. Por fim, entre uma construção que é também a do amor (que se espera), os poemas deste livro interligam-se sobretudo em três vértices que se expandem enquanto se revelam a fundação de algo que está por vir, incessantemente por vir: a boneca, a mulher, a travesti