Este livro é composto de dez memórias vividas e escritas por um homem comum, velho, mas nem por isso menos comum. Sou exatamente como qualquer outro. Já que comecei dizendo que sou velho, sinto-me na obrigação de especificar em exatas quantidades a tal velhice: conto setenta e cinco anos. A vida foi longa, exageradamente longa. Longa o suficiente para que eu me sentisse no direito de preencher algumas páginas com lembranças dispersas, algumas até tendo relações entre si. O leitor perceberá, quando for o caso. Também perceberá algumas incoerências e contradições; é que por vezes me confundo, digo e desdigo. Normal, coisa de velho.

Passei os últimos dez meses destes setenta e cinco anos escrevendo estas memórias. Na média, cada uma me custou um mês de trabalho. Porém, o exercício da escrita não é tão rigoroso com os números. Algumas histórias saíram rápido, quase que vomitadas, não exigindo de mim mais do que alguns reparos ortográficos. Já outras, de tão enraizadas, tiveram nascimento dolorido, traumático. Tudo bem se o leitor não for capaz de distinguir umas das outras. Não faz falta.

Nunca fui dado à escrita. Mas hoje, ao término do trabalho, percebo que foi bom, foi divertido. Como um homem na minha idade não tem lá muitas diversões, a literatura serviu-me ao menos como mata tempo.

Uma das piores coisas da velhice é ter mais passado do que futuro. Decidi, então, dar materialidade a esse passado, transformando-o em texto, em presença. O resultado está dado e espero que agrade. Eu gostei.

Se o leitor conhecido se identificar em algumas das próximas páginas, eu peço que não se aborreça. Como tive o cuidado de não batizar os personagens com os verdadeiros nomes dos seus reais inspiradores, ninguém irá apontá-lo na rua. Fica o assunto como sendo nosso, o dito pelo não dito. Porém, se algum outro leitor conhecido, e intrometido, conseguir decifrar a charada e for lhe procurar para destilar o fel da intriga, lembro aos dois de que se trata aqui de literatura. Terei sempre a ficção como argumento de defesa.
Armando Fonseca